O apego ao passado e à tradição

    As boas práticas e o conhecimento que são passados empiricamente nas sociedades humanas tem nos feito transformar o planeta em um lugar que comporte mais de sete bilhões de indivíduos, com uma infraestrutura capaz de dar suporte à sobrevivência, no que se refere a produção de víveres, renda, e vida social, ainda que de forma visivelmente desequilibrada.
   As causas das escalas de classes sociais que vemos nas sociedades contemporâneas, seja quando nos referimos aos indivíduos ou como às nações, tem como principais origens o uso que se faz do conhecimento em estoque e a forma como o mesmo é exercido, dentro dos âmbitos  nacionais e globais.
     A espécie humana, num esforço de busca de alternativas para sua sobrevivência, acabou por tornar-se refém dos paradigmas que cria com o intuito de se construir uma utópica sociedade, que venha a desfrutar de um padrão de justiça e paz, tal como a sociedade que os cristãos almejam e que chamam de Sião ou Nova Jerusalém. Neste afã as diferentes sociedades nacionais elaboram um modus operandi estabelecidos em diferentes preceitos ao qual denominam Constituição, que norteia todas as demais leis ou decretos que venham a ser editados.
      Esta forma com que o estado se utiliza para promover um controle e organização de sua população, acaba por ser replicado também nas relações entre indivíduos, nas instituições comerciais e até mesmo religiosas, gerando situações em que novas ideias e conhecimentos sofram fortes resistências, posto que não estavam previstos nas regras das constituições e convenções que criaram para guiarem seus passos. Estas regras estabelecidas em constituições e convenções também gestam paradigmas que são absorvidos como verdades absolutas e imutáveis. Lembro-me de um exemplo típico de paradigma na área industrial que foi quebrado e cuja quebra beneficiou milhões de pessoas, com a geração de empregos, impostos e novas tecnologias: Durante séculos os relógios suíços movidos à corda reinaram absolutos nas principais côrtes e nos pulsos das poucas pessoas que podiam adquiri-los e ninguém jamais ousaria desafiar este reinado, até que certo dia um japonês criativo desenvolveu um projeto de relógio com um novo conceito de funcionamento, pelo movimento pendular que acionaria pequenas engrenagens internas, tendo como fonte de energia o próprio movimento dos braços. 
    Diz a história que este japonês levou sua descoberta a um famoso fabricante de relógio da Suíça, mas este o ignorou por completo, pois seu projeto contrariava todo o costume e tradição de seus famosos relógios. Passado certo tempo este japonês encontrou no seu próprio país alguém que aceitou quebrar este forte paradigma e logo os relógios automáticos japoneses eram vistos em todos os países nos pulsos de milhões e milhões de homens e mulheres trabalhadoras, operários, funcionários públicos, médicos, engenheiros, arquitetos, etc., e não houve outra maneira dos suíços se manterem firmes em seus paradigmas de relógios à corda.
     Este é um ótimo exemplo para que possamos refletir que estamos caminhando na construção de uma sociedade onde as pessoas, independentemente de suas classes sociais, possam desfrutar de produtos, conhecimentos e alegrias que as façam se sentir inseridas num contexto de fraternidade e justiça. Os monopólios de conhecimentos e tecnologias retardam este processo de desenvolvimento social, tornando cativos bilhões de pessoas ao redor do nosso planeta e consequentemente acirram as disputas sociais, ampliando o desnível dos padrões sociais entre pessoas e povos.
     A produção de bens não é a única forma de má gestão dos paradigmas humanos, eles também estão presentes dentro da Igreja Cristã e isso, como podemos detectar nos dias atuais, a tem feito dividir-se em mais de cinquenta e cinco mil denominações em toda a terra, mas qual foi a causa disso? Porventura não foi a intenção da Igreja Católica em ter o monopólio do Evangelho? Seguida depois das Igrejas Protestantes e depois das Pentecostais? Mas por que isso ocorre em diferentes áreas humanas? Não seria porque o conhecimento gera riquezas? E com as riquezas vem o domínio do homem sobre o homem, mas isso não deveria ocorrer com o Evangelho, por que Este de graça recebemos e de graça devemos proclamá-lo. 
  Não me refiro aos pastores que se dedicam exclusivamente à Igreja, que obviamente devem receber seus justos salários, pois não há outra forma de sobreviverem dignamente sem que percebam certa quantia em dinheiro para comprarem seus próprios alimentos e roupas e no caso dos sacerdotes casados, também o suficiente para a manutenção da sua família de forma digna.
   Não há outra forma da igreja se manter sem que seus fieis entreguem os dízimos e ofertas, conforme já dissemos em outras postagens deste canal. Se na época de Cristo a Igreja não tinha despesas como energia elétrica, água, ar condicionado, mídias digitais, impressos, rádio, televisão, estas despesas hoje são quase obrigatórias para a propagação do evangelho, além dos gastos com pessoal obreiro e prestadores de serviço, assim, quem ama a Santa Palavra deve devolver a décima parte das bençãos com que Deus lhe agraciou. Isto  não está relacionado com o passado ou com tradição, é um fato administrativo da obra divina, contudo, para que não haja dúvidas quanto à gestão dos recursos, é de bom siso que os balancetes sejam expostos em lugar público para que os membros possam conhecer os trabalhos que são desenvolvidos com os dízimos e ofertas que entregam.
     Os males causados pela tradição são, portanto, aqueles decorrentes de uma visão distorcida da Bíblia e dos reais propósitos que Deus tem para com a humanidade, pois tendo a Ele por Senhor nos céus e na terra, temos de nos submeter aos seus desígnios e à sua vontade, seja em coisas pequenas seja nas grandes, ou seja, não devemos nos apegar à tradições, mas à Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
        Quando Jesus exercia seu ministério humano entre nós era frequentemente contestado pelos líderes fariseus, que se estribavam em uma pesada tradição, que muitas vezes era usada como forma de dominação. Em Mateus 11:12 o apóstolo registrou a visão de Jesus sobre a religiosidade daqueles dias, quando disse: "Desde os dias de João Batista até agora, se faz violência ao Reino dos céus, e pela força se apoderam dele" (Versão Almeida revista e corrigida). Na versão Nova Tradução na Linguagem de Hoje este versículo está assim: "Desde o dia em que João anunciava a sua mensagem, até hoje, o Reino do Céu tem sido atacado com violência, e as pessoas violentas tentam conquistá-lo".
        O contexto deste versículo não tem conexão com outra versão bem diferente que se quer dar ao mesmo, como estas: "Desde o dia de João Batista até agora, o Reino de Deus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele." (versão Almeida Revista e Atualizada) ou "Desde os dias de João Batista até agora, o Reino de Deus é tomado à força, e os que se esforçam são os que o conquistam." (versão Tradução Brasileira). O capítulo 11 completo apresenta Jesus pregando nas cidades da Galileia, quando discípulos de João Batista dirigem a ele uma pergunta do profeta, que estava preso por ordem do rei Herodes, a pedido de sua mulher Herodias. Os discípulos de João Batista perguntaram a Jesus se Ele era de fato o messias anunciado ou deveriam aguardar um outro; Jesus, porém lhes responde: "voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres." Esta resposta de Cristo por si só põe fim às interpretações diferentes que hoje fazem de suas palavras, afinal, a resposta de Jesus fala de violência ou de amor? É óbvio que fala de amor, portanto os que almejam adentrar ao Seu Reino, devem acima de qualquer outro sentimento, ter amor pelas almas e nenhuma violência é necessária para dele participar, mas sim dedicação e esforço. 
        Nós somos a Igreja de Cristo e fazemos parte de Seu Reino, e desde seu ministério Jesus nos preveniu que seríamos perseguidos, injustiçados e mortos, esta sim é a violência que Jesus falava aos discípulos de João. Com violência os poderosos pretenderiam calar a noiva de Cristo, com violência pretenderiam desvirtuar os seus princípios. De fato estas palavras de Jesus não foram tão reais quanto será com o advento do anticristo (Apocalipse 13:16-17, Apocalipse 17:12-17,).  O capítulo 2 de 2º Tessalonicenses por fim acaba com qualquer dúvida que ainda possa haver: nos versículos 3 a 7 está escrito: "Não deixem que vos engane de modo algum, antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o homem do pecado, o filho da perdição. Este se opõe e se exalta acima de tudo o que se chama Deus, ou é objeto de adoração, a ponto de se assentar no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus. Não se lembram de quando eu ainda estava com vocês e costumava lhes falar estas coisas? E agora vocês sabem o que o está detendo, para que ele seja revelado no seu devido tempo. A verdade é que o ministério da iniquidade já está em ação, restando apenas que seja afastado aquele que o detém."
      Jesus é leve e suave, o problema não está, portanto, no Reino dos Céus, mas no reino dos homens, que sofre o contínuo assédio daquele que foi lançado do céu, pois sua sobrevivência está diretamente ligada ao fracasso humano em reconhecer e aceitar a proposta de redenção presente no sacrifício vicário de Cristo. Infelizmente não é raro vermos homens seduzidos pelas riquezas terrenas, serem alçados à postos de liderança dentro da Igreja, amantes do luxo e alto requinte de coisas materiais. Jesus nos aconselha a juntarmos tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não corroem.
  A história da humanidade nos mostra que mundo contemporâneo é o resultado de fortes influências das culturas grega e romana, na literatura, na filosofia, artes, arquitetura, engenharia, vestuário, culinária, etc., e isso afeta significativamente a modo como pensa o mundo ocidental, que por sua vez, influencia as demais culturas. Agimos inconscientemente embasados em paradigmas seculares e isso caracteriza nosso modo de falar e pensar.
 O apóstolo Paulo recomendava aos colossenses que pensassem nas coisas celestiais e as praticassem, isso significa mudança de paradigmas (Colossenses 3). A cidade de Colossos, que se localizava às margens do rio Meander, havia sido um importante entreposto comercial que ligava as cidades da Frígia à Éfeso. Os cristãos lá existentes permitiam o sincretismo religioso com o paganismo grego, romano e oriental, sendo muito advertidos pelo apóstolo. A cidade sofreu um forte terremoto que a destruiu completamente e jamais foi reconstruída, ao contrário de outras.
    Invariavelmente quando falamos em tradição, muito dos costumes e conceitos humanos se inserem no contexto, mesmo dentro das famílias cristãs e até mesmo no seio da igreja de Cristo e isso deve ser diagnosticado e tratado, para que não contamine o propósito final do Evangelho, que é a convivência eterna entre o homem e o reino celeste.
     Que possamos ser revestidos da graça, fé e esperança, aguardando o dia em que nos reencontraremos com Cristo.

                  Por Nelsomar Correa em 23 de maio de 2017

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